Pedro e a labradora Laika
Pedro era tutor da labradora Laika, devidamente certificada com pedigree, mas ainda jovem demais para gerar filhotes. Mesmo assim, um dia, Pedro decidiu arriscar e colocá-la para cruzar com outro belo labrador. Queria reaver seu investimento com a venda dos pequenos, o mais rápido possível.
Quando nasceram os seis filhotes, entretanto, Pedro descobriu que não eram puros. Durante o cio, provavelmente Laika cruzou também com algum vira-lata que vivia nos arredores.
Impossibilitado de vendê-los, Pedro, cruelmente, colocou os filhotes em uma caixa de papelão e escondido pelo véu da madrugada, os deixou em uma viela, abandonados à própria sorte.
Sem comida, água, companhia ou proteção, dois deles morreram de frio e fome. Dois foram adotados por pessoas que os viram ali e dois tornaram-se cães de rua. Pedro ficou impune. Ninguém soube de seu crime. Para os parentes e amigos que perguntaram sobre os filhotes, ele respondeu que infelizmente não sobreviveram ao parto.
Laika, uma semana depois do desaparecimento de seus filhotes, desenvolveu uma infecção séria e morreu. A ganância de Pedro acabou tirando a vida de sua melhor amiga.
Meses depois, Pedro andava pela calçada e sentiu que estava sendo seguido. Olhou para trás e viu um filhotinho, aparentemente mistura de labrador e vira-lata, andando atrás dele. Automaticamente, lembrou-se dos filhotes de Laika que abandonara. Sentiu raiva e deu um chute no pequeno, que assustado, correu para a rua.
Talvez por um instintivo lampejo de consciência, em um rápido milionésimo de segundo, Pedro percebeu que o bichinho seria atropelado e instintivamente entrou na frente do carro que vinha, acenando para que ele parasse.
Pedro, muito arrependido, levou o pequeno para casa e cuidou dele como um verdadeiro filho, por anos. Tornaram-se grandes e inseparáveis amigos.
Doze anos se passaram… Depois de vários tratamentos ineficazes, Pedro estava prestes a partir, vítima de câncer e pediu para a esposa que trouxesse Zeus, para que ele pudesse se despedir do amigo.
O amigo colocou as patas dianteiras na cama e meio desengonçado, cheirou e lambeu o tutor. Parecia saber exatamente o que estava acontecendo. Finalmente, parou e olhou fixamente para Pedro.
Dizem que quando estamos próximos de atravessar o portal que separa a vida da morte, nos tornamos mais sensíveis. Assim aconteceu com Pedro, que “leu” no olhar de Zeus as seguintes palavras:
“Eu sou um dos filhotes de Laika, que você abandonou. Não se preocupe, eu já lhe perdoei há muitos anos. Pode partir em paz, eu vou cuidar e proteger a mamãe”.
Com algumas lágrimas de gratidão escorrendo pelo rosto, Pedro deu um sorriso, suspirou pela última vez e realmente partiu. Uma de suas mãos era segurada pela mão da esposa que chorava copiosamente e na outra, Pedro morreu segurando a patinha de Zeus. Este soltou a mão do amigo, uivou baixinho e deitou-se ao lado da cama, todo encolhido e triste.
As pessoas que participaram do velório, cochichavam com a viúva:
– Nossa, ele parece ter morrido com tranquilidade, né? Está com o semblante suave, parece até que está sorrindo levemente…
Ao que ela respondia:
– É que ele partiu segurando a patinha de Zeus, seu melhor amigo!
NOTA: Esta história, assim como os personagens, é fictícia. Entretanto, filhotes de cruzas indesejadas são abandonados pelos tutores diariamente em todas as capitais brasileiras.